CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 2
A neve diante de Zhao Min rangia suavemente, e as botas de sola lisa do Marquês de Haiping surgiram em seu campo de visão.
— Min’er. Por que você ainda está ajoelhado? — perguntou o Marquês, alisando a barba enquanto saía do salão para se aproximar de Zhao Min. Ele então o ajudou a se levantar, puxando o filho que havia criado por dezessete anos.
Ele não havia percebido antes, quando Zhao Min ficara tão magro e frágil? O Marquês pousou a mão no ombro delicado do jovem, num gesto que parecia paternal, e ajustou o manto dele.
— Esse assunto com seu irmão mais velho não é culpa sua. Mas é verdade que seu irmão passou mais de dez anos vagando lá fora por causa do egoísmo de sua mãe biológica. Naturalmente, sua mãe está ressentida.
Zhao Min respondeu devagar:
— Pai, este filho está disposto a deixar a residência do Marquês e partir da capital.
O Marquês ficou surpreso, seu semblante mostrando um traço de dor:
— Que história é essa de ir embora? Mesmo que você não seja nosso filho de sangue, viveu ao lado dos seus pais por dezessete anos. Depois que o banquete de celebração de seu irmão terminar... seu pai e sua mãe vão pensar com cuidado em como arranjar o seu futuro.
As mesmas palavras de sempre, “arranjos a serem decididos”. Zhao Min sentiu como se tivesse caído em um poço de gelo. Mesmo com tudo acontecendo exatamente como em seu sonho, ele ainda tinha esperança de que seus pais sentissem dificuldade em deixá-lo partir, buscando algum consolo.
— Min’er agradece a seu pai e a sua mãe. — Zhao Min deu meio passo para trás e se curvou respeitosamente ao Marquês. — O banquete de celebração do meu irmão será em menos de um mês, não é hora de discutir os assuntos de Min’er. Este filho está disposto a representar a residência e entregar pessoalmente o convite para o Regente.
A mão do Marquês ficou suspensa no ar ao ver Zhao Min de repente recuar. Ele pigarreou:
— Mm, bom garoto, Min’er. Seu irmão está servindo atualmente na Academia Hanlin[1] e realmente não pode visitar pessoalmente a residência do Regente.
[1] Hanlin Academy (Academia Hanlin): Instituição acadêmica imperial de elite. Entrar na Academia Hanlin era extremamente prestigioso e geralmente levava a cargos altos no governo.
Desde a morte do Imperador Pingqing, o Marquês de Haiping havia perdido qualquer posição oficial de relevância. Mantinha relações privadas com a facção do Príncipe Herdeiro, mas não tinha oportunidades de se aproximar de Xiao Ji.
Agora, depois dos exames imperiais, o verdadeiro herdeiro havia ficado em primeiro lugar, entrado na Academia Hanlin e estava prestes a ser nomeado Governador de Jiangnan[2].
[2] Jiangnan: Região rica ao sul do rio Yangtzé. O cargo de governador provincial era um dos mais importantes da administração regional.
Essa sorte tremenda era uma ótima oportunidade de fortalecer conexões, e o Marquês precisava abrir caminho para o futuro da residência.
Zhao Min sabia bem que, enquanto ainda tivesse alguma utilidade, não era impossível lutar por um jeito de sobreviver.
Ele se curvou profundamente:
— Este filho irá amanhã e com certeza entregará o convite na residência real. Peço que o pai fique tranquilo.
O Marquês soltou um breve som de aprovação, permanecendo na neve pelo tempo de beber uma xícara de chá. O frio fez seu pescoço se encolher, e ao olhar para Zhao Min, tão obediente e bem-comportado, um sorriso satisfeito se formou em seu rosto.
— Está realmente muito frio hoje. Min’er, volte logo. A pequena cozinha preparou uma sopa de fungo branco, vou mandar a Ama Wang levar até você em breve.
— Sim. — Zhao Min observou a figura do Marquês de Haiping sumir na neve densa, sentindo uma pontada surda no peito.
Então o pai tinha, afinal, um lado gentil.
Só que nunca o mostrara para ele.
. . . . . ◟੭
Ao voltar do pátio da frente, a Ama Wang realmente apareceu trazendo uma tigela de sopa quente de fungo branco e uma boa quantidade de carvão.
— Jovem Mestre, este é o melhor carvão de madeira de pereira. Queima bem e aquece. Foi enviado pelo Jovem Mestre Biao[3], que disse que sua saúde é frágil e que o quarto precisa estar bem aquecido.
[3] Jovem Mestre Biao: Refere-se ao primo materno de Zhao Min. Em famílias tradicionais chinesas, primos do lado da mãe eram chamados de Biao, diferenciando-os dos primos do lado do pai.
Yunquan sorriu ao ver o carvão negro e brilhante.
— Deixe aí. Eu mesmo coloco para dentro.
Zhao Min retirou o manto e observou os flocos de neve que entravam pela porta, pousando suavemente sobre o carvão.
A residência do Marquês de Haiping já não tinha grandes cargos oficiais, mas não era como se lhes faltasse carvão. Não haviam mandado antes, nem depois, mas justamente agora.
Zhao Min abriu a pequena caixa em sua escrivaninha e pegou algumas moedas de prata, entregando-as a Yunquan.
— Acompanhe a Ama Wang até o portão.
Ao ver a prata, o rosto da Ama Wang se iluminou. — Ai, Jovem Mestre, isso não era necessário. Estou só cumprindo meu dever.
Apesar das palavras, ela aceitou a recompensa com satisfação. Yunquan colocou a prata nas mãos dela e praticamente a empurrou para fora. — Ama Wang, volte logo e avise ao Mestre e à Senhora que o Jovem Mestre recebeu tudo.
— Muito bem, muito bem. Então não vou atrapalhar seus estudos. — A voz de Ama Wang foi se afastando enquanto ela murmurava para si mesma: — O Jovem Mestre Biao não aparece aqui há tanto tempo, mas ainda se lembra de mandar carvão... que atencioso.
Pouco depois, o som dos passos dela desapareceu no pátio silencioso.
— Hmph. Que preocupação nenhuma. Aquele Jovem Mestre Biao não passa de um inútil. Nosso Jovem Mestre não precisa da atenção dele. — resmungou Yunquan, varrendo a neve da soleira. Ele entrou no quarto carregando a tigela de sopa fumegante e, ao ver o que estava diante dele, soltou um grito de susto.
— Jovem Mestre... o que está fazendo?!
Zhao Min ficou ao lado do forno, jogando nele todos os livros que havia estudado arduamente nos últimos dois anos. Depois de um crepitar rápido e intenso, tudo se aquietou.
Yunquan se lembrou, eram todos os livros que o Jovem Mestre tinha economizado para comprar. Como podia queimá-los assim, tão facilmente?!
Ele tentou pegar os livros do forno, mas Zhao Min de repente segurou seu pulso.
— Não pegue. Eu... não vou fazer mais os exames.
Na verdade, ele nunca gostara de estudar. Era apenas uma forma de se consolar.
Yunquan olhou para a expressão repentinamente melancólica do Jovem Mestre, sentindo o coração apertar. O que teria acontecido com ele? Como podia parecer uma pessoa completamente diferente só por voltar do pátio da frente?
O Mestre não tinha acabado de confiar uma tarefa ao Jovem Mestre?
O rosto de Zhao Min não demonstrava emoção, mas aquele olhar vazio irradiava um desespero infinito.
O coração de Yunquan doeu e lágrimas começaram a escorrer.
— Jovem Mestre, aconteceu alguma coisa?
— Não me assuste, Yunquan, fale alguma coisa, por favor.
— Jovem Mestre, você...
— Não é nada. — Zhao Min inclinou a cabeça para trás e fez um gesto para que Yunquan saísse. — Vou dormir um pouco, me acorde ao amanhecer. E também leve aquela cesta de carvão para fora.
Yunquan não conseguia entender os pensamentos do Jovem Mestre, mas sabia que ele era teimoso e determinado. Se dizia que não precisava de algo, absolutamente não usaria.
Assim, Yunquan levou o carvão para fora.
No meio da noite, ainda preocupado, ele se aproximou silenciosamente do quarto de Zhao Min.
O silêncio ao redor era assustador. O vento uivava do lado de fora como se fossem demônios sugando almas. Após alguns instantes, Yunquan percebeu um leve e baixo soluço vindo do quarto...
. . . . . ◟੭
Na manhã seguinte, ao amanhecer, Yunquan trouxe água quente. Ao entrar, percebeu que Zhao Min já havia se levantado e vestido um robe de um tom lilás levemente mais claro.
— Coloque a água ali. Prepare alguns lanches leves, vou comê-los no caminho. — Depois de se vestir e arrumar o cabelo, Zhao Min saiu do quarto. Ao ver os olhos de Yunquan inchados como dois grandes bolinhos, sorriu suavemente. — Como é que, depois de uma noite separados, você parece ter sido picado por abelhas?
— Jovem Mestre, como assim seus olhos... não estão inchados?
Zhao Min sentiu-se um pouco envergonhado. Yunquan devia ter percebido seu choro secreto.
Zhao Min suspirou levemente. — Chega. Você também deveria comer algo, vá comigo até a residência real hoje.
— Ah, ah. — Yunquan tinha se preocupado que o Jovem Mestre pudesse ter chorado tanto que não estaria apresentável para sair, mas, para sua surpresa, ele era diferente. Embora ambos tivessem chorado na noite anterior, Zhao Min continuava tão bonito quanto sempre!
Os próprios olhos de Yunquan estavam inchados como bolinhos.
Ele se apressou a arrumar tudo e trouxe da pequena cozinha dois pastéis de carne, embrulhando-os em papel.
Os dois seguiram para o pátio da frente para buscar o convite antes de partirem às pressas.
No caminho, Yunquan ofereceu os pastéis ainda quentes.
— Jovem Mestre, coma depressa, o caminho até a residência real ainda é longo.
— Mm. — Zhao Min aceitou o pastel, deu uma pequena mordida e depois olhou seriamente para os flocos de neve que caíam lá fora.
Yunquan sentou-se ao lado de Zhao Min, observando o Jovem Mestre apreciar a paisagem.
Como seu Jovem Mestre havia recuperado o ânimo de repente durante a noite?
Mas isso era uma coisa boa.
. . . . . ◟੭
A viagem da residência do Marquês de Haiping até a residência do Regente levou meia hora, atravessando metade da capital.
Quando chegaram, a neve acabara de parar, e o sol da manhã começava a surgir.
Zhao Min guardou a carta do Marquês de Haiping na manga, ajeitou o manto e desceu da liteira.
Para Yunquan, também era a primeira vez visitando a residência do Regente.
— Uau, é realmente grandiosa. — exclamou, olhando para os imponentes portões da residência, com leões de pedra branca e degraus de jade que pareciam tão altos quanto uma pessoa. Ele se perguntava, maravilhado, se aquilo realmente era uma residência real ou o próprio palácio imperial.
Zhao Min desceu, aproximou-se dos portões e sinalizou para que Yunquan fosse anunciar a chegada. Yunquan concordou, mas, inesperadamente, os guardas pareciam ter antecipado a visita e os dispensaram com desdém.
— Mais pessoas da residência do Marquês de Haiping? Ainda ousam entregar convites, não tem medo de serem esfolados e expulsos? Sumam, sumam, sumam!
— Vocês! — Yunquan não tinha chance contra o pessoal da residência real. Após a bronca, não ousou responder, temendo causar problemas ao Jovem Mestre.
Ele correu de volta para Zhao Min.
— Jovem Mestre, eles estão mandando a gente embora.
Nesse instante, os grandes portões da residência se abriram com um rangido.
Zhuo Lun abriu a porta, pensando consigo mesma que estava estranhamente silencioso nos portões hoje, seriam aqueles patifes da residência do Marquês de Haiping finalmente prudentes?
Para sua surpresa, ao se abrirem, uma figura esguia e solitária estava parada bem à frente da residência real.
Atrás dela, alguém claramente descontente com certos assuntos franzia a testa, parecendo capaz de devorar alguém inteiro a qualquer momento.
— Hmm? — A voz do homem era profunda, levemente cansada. — Abrir uma porta exige tanta demora?
— Mas... Mestre. — Zhuo Lun engoliu em seco, optando por enfrentar a situação. — Hiss... você prometeu não matar ninguém hoje. Quando sairmos, poderia se controlar, se possível?
— Ah? — O homem riu levemente. Sob seu manto de pele de raposa escura, os olhos dourados claros estreitaram-se impacientemente. — Por que eu precisaria me conter? Não seria mais simples enviá-los logo para o além?
O mestre demoníaco e sua serva passeavam tranquilamente pelos portões.
Para impedir que o mestre agisse violentamente e manchasse a entrada com sangue, Zhuo Lun avançou primeiro com a espada em mãos, apontando para as pessoas no portão.
— Como ousam! Bloquear a entrada da residência do Regente, não prezam por suas vidas?
Zhao Min ficou parado, observando as duas figuras descerem lentamente os degraus de pedra.
Exatamente como descrito em seu sonho. Hoje era o aniversário da morte da mãe de Xiao Ji.
Zhuo Lun se aproximou e, ao perceber quem estava diante dela, percebeu que não se tratava de um mensageiro qualquer e feio do dia anterior, mas de alguém... bastante bonito.
Bonito ou não, considerando a importância do dia, não havia garantia de que o mestre não o esfolaria de verdade.
Zhuo Lun franziu a testa ao avançar, embainhando a espada.
— Quem é você? Por que não fala nada?
Zhao Min se curvou, prestando os devidos respeitos à guardiã diante dele.
— Sou Zhao Min, da residência do Marquês de Haiping, estou aqui para apresentar minhas homenagens a Sua Alteza Real.
Zhuo Lun: Sobrinho Zhao? Espera, será que a residência do Marquês de Haiping enviou mesmo o herdeiro?
Ela avaliou o jovem que se chamava Zhao Min. Ao olhar mais de perto, ele parecia ainda mais atraente, pele clara como creme, cabelos negros como tinta derramada, delicado e frágil. Exatamente o tipo de pessoa que seu mestre apreciava.
Seria possível que o tal “novo melhor acadêmico inútil” da residência do Marquês de Haiping mencionado pelo mestre fosse, na verdade, esse jovem bonito?
A figura na entrada começava a demonstrar impaciência.
Zhuo Lun olhou para Zhao Min sem dizer nada, incapaz de tomar a decisão sozinha. Apressou-se de volta ao lado de Xiao Ji e sussurrou para o homem.
— Meu senhor, aquele pequeno belo que você mencionou ontem realmente veio. Vamos recebê-lo?
Xiao Ji arqueou a sobrancelha: “Belo?” Quando foi que ele chamou o novo estudioso de belo?
Ele franziu a testa, claramente descontente.
— Está com problemas de audição? Não ouviu quando ele disse que se chamava Zhao Min?
A residência do Marquês Haiping realmente tinha obedecido. Eles realmente enviaram um herdeiro. Um herdeiro. Falso.
Xiao Ji sorriu levemente, deu dois passos à frente e encarou a figura que permanecia na neve.
— O herdeiro da residência do Marquês Haiping?
Ao ouvir a voz, Zhao Min ergueu os olhos e viu o homem erguido à sua frente.
Ele vestia roupas caras de brocado dourado escuro, com um cinto de jade adornado com totens de lobo da neve, seu porte elegante e refinado. Aqueles pupilos dourados distintos o avaliavam com calma.
Este devia ser, sem dúvida, o Regente Xiao Ji.
Zhao Min fez uma reverência completa: — Este humilde é Zhao Min, herdeiro da residência do Marquês Haiping, prestando respeito a Vossa Alteza. Que Vossa Alteza desfrute de paz eterna.
— Mm.
A voz de Xiao Ji carregava uma profundidade aterradora, e sua presença opressora gelava os ossos. Zhao Min se esforçou para manter a postura adequada, mas ouviu Xiao Ji ordenar friamente.
— Engatinhe até aqui.
FIM DO CAPÍTULO