CAPÍTULO 5
Você está corado!?
CAPÍTULO 5
Você está corado!?
— O Sr. Redhawk geralmente finaliza suas pinturas usando canetas muito finas. Cada obra é tão detalhada que é difícil acreditar que o artista seja realmente cego...
A guia próxima explicava pacientemente aos visitantes da exposição de arte. Atrás dela, havia uma pintura em preto e branco emoldurada em uma moldura preta simples.
Na pintura, um cisne empurrava um carrinho com os pés, enquanto um hipopótamo estava sentado dentro dele. Sobre as costas do hipopótamo, um coelhinho segurava um pincel, ajudando no banho.
Toda a pintura parecia viva e divertida. Após ouvirem a explicação da guia, todos os presentes suspiraram em admiração.
Lin Ting puxou discretamente a manga de Shen Chuhan e sussurrou:
— O Sr. Redhawk é incrível. Ele pinta através do tato e ainda consegue adicionar braille[1] em suas obras. Eu também estou aprendendo com ele.
[1] Braille é um sistema de pontos em relevo que formam letras e números. Pessoas cegas ou com deficiência visual utilizam esse método para ler e escrever através do tato.
Os cílios de Lin Ting tremeram algumas vezes, seus olhos escuros fixaram-se à frente e o canto dos lábios se ergueu levemente. Suas expressões eram tão naturais que ninguém notaria qualquer falha ao observá-lo.
Shen Chuhan abaixou os olhos e lançou um olhar para os dedos brancos e finos de Lin Ting, que puxavam sua manga. Depois de alguns instantes, estendeu a mão e entrelaçou as pontas geladas dos dedos de Lin Ting nas suas.
Lin Ting sentiu um calor repentino ao ser tocado. Instintivamente, enrijeceu um pouco, surpreso com a sensação inesperada. Era como se seus nervos tivessem sido intensificados naquele instante, fazendo seu coração disparar e seus longos cílios tremerem em pânico.
— Se houver uma oportunidade, eu gostaria muito de ver as obras do Sr. Lin — disse Shen Chuhan. Sua voz magnética ecoava nos ouvidos de Lin Ting.
Lin Ting ficou um pouco envergonhado e confessou:
— Em comparação às do Sr. Redhawk, meus trabalhos ficam muito atrás.
Ao observar o rosto de Lin Ting corar pouco a pouco, Shen Chuhan fingiu não perceber e, sem escrúpulos, ergueu os cantos dos lábios para provocá-lo:
— Como poderia ser? Aos meus olhos, o Sr. Lin é o melhor, não importa o quê.
Sua voz manteve a mesma gentileza de sempre, como um feitiço que fazia Lin Ting ceder involuntariamente.
Um zumbido tomou os ouvidos de Lin Ting, suas palmas ficaram suadas e seu coração batia tão rápido que parecia prestes a saltar do peito.
— O Sr. Shen sempre fala coisas assim... — pensou Lin Ting, sentindo-se envolto pelas palavras gentis de Shen Chuhan como se fosse água morna. Abaixou a cabeça timidamente, achando que Shen Chuhan devia ser amado por muitas pessoas, justamente por causa de sua bondade e gentileza.
Lin Ting franziu a testa enquanto encarava o mundo vazio diante de si. Levou mais de dez anos para superar seus sentimentos de inferioridade, mas assim que a luz do sol atravessou sua escuridão, as ondas de insegurança provocadas pela sua deficiência voltaram com força, sufocando-o outra vez.
De repente, Lin Ting sentiu alguém apertar seus dedos duas vezes e logo ouviu a voz de Shen Chuhan bem próximo ao seu ouvido:
— O Sr. Lin deve ter visto um mundo completamente diferente e único. Eu quero ver como é o mundo do Sr. Lin.
Lin Ting ficou surpreso. Ergueu o rosto em sua direção. Mesmo sem conseguir enxergar o rosto de Shen Chuhan, teve a sensação de que ele era diferente de todos os outros. Sentiu a sinceridade em suas palavras.
Tum, tum, tum.
Lin Ting, que costumava ter uma audição aguçada, não conseguiu captar nenhum outro som naquele instante. O barulho de seu próprio coração era ensurdecedor, quase desconfortável. Prendeu a respiração instintivamente, até que seu cérebro protestou, obrigando-o a soltar o ar.
Lin Ting voltou à realidade e puxou uma respiração forte e ofegante, tentando recuperar a compostura.
Ele, de repente, sentiu-se aliviado por seus olhos não revelarem todos os seus pensamentos interiores naquele momento.
— O Sr. Shen é tão gentil... — murmurou Lin Ting baixinho, sem saber se Shen Chuhan havia escutado sua voz suave.
Shen Chuhan manteve o olhar fixo nos olhos de Lin Ting, e sua própria imagem refletia-se no olhar do jovem. Seus longos cabelos negros caíam sobre a testa, cobrindo parcialmente o olho esquerdo.
— Sr. Lin, quer ir ver outras pinturas? — propôs Shen Chuhan suavemente, sua voz carregando um tom caloroso e cheio de expectativa. Cercado pela multidão barulhenta, Shen Chuhan sentia um forte desejo de ter alguns momentos a sós com Lin Ting, longe das distrações do salão da exposição.
O jovem assentiu, exatamente como Shen Chuhan esperava. Então, ele segurou sua mão e entrelaçou os dedos aos dele, guiando-o para fora da multidão.
Lin Ting percebeu que, sempre que tocava Shen Chuhan, seu corpo parecia mais quente que o seu próprio. Era como se a ponta dos dedos de Shen carregasse um calor suave que lentamente se espalhava por todo o seu corpo, fazendo-o sentir-se confortável e acolhido, como se estivesse envolto em um cobertor quente.
Enquanto sua mente girava em pensamentos confusos, Lin Ting não notou quando outra pessoa avançou em sua direção.
Ao passar por ele, não se sabia se fora de propósito ou por acidente, mas, de repente, com um esbarrão forte, o ombro da pessoa colidiu contra o de Lin Ting. Ele arfou instintivamente, soltando a mão de Shen Chuhan, e permaneceu parado, levando a mão ao local dolorido.
Shen Chuhan virou-se e notou a expressão de dor no rosto de Lin Ting. Aproximou-se depressa e perguntou:
— Está bem?
Lin Ting estava prestes a responder, mas antes que pudesse falar, a pessoa que havia esbarrado nele gritou em voz alta:
— Não pode olhar por onde anda?!
Ele não parecia perceber a importância de manter silêncio em lugares públicos, e falava tão alto que chamou a atenção das pessoas ao redor. Ao notar os olhares voltados para si, Lin Ting ficou desconfortável, e todo o seu corpo se enrijeceu.
Franziu o cenho, inquieto. Embora não conseguisse se lembrar se havia sido ele quem esbarrou, por causa de incidentes semelhantes que já haviam acontecido inúmeras vezes, Lin Ting logo acreditava que a culpa era sua. Então, instintivamente, começou a se desculpar:
— Me desculpe, minha visão não é muito boa.
— Ai, isso doeu mesmo! — O homem esfregou o ombro e, ao ouvir a explicação, inclinou-se para a frente, apoiando as mãos na cintura e arqueando as sobrancelhas em descrença. Ao notar a expressão vazia de Lin Ting, exclamou alto: — Ele é realmente cego!
A palavra “cego” atingiu Lin Ting em cheio, provocando uma pontada dolorosa em seu coração. Seus lábios tremeram levemente, mas, reunindo coragem, ele retrucou:
— Senhor, por favor, seja educado.
— Educado? — O homem zombou, irritado, lançando-lhe um olhar de desprezo. — Considere-se com sorte por eu não estar exigindo uma indenização. Você ao menos sabe quem organizou esta exposição de arte? E sabe com quem esbarrou? Quem você pensa que é? E se me machucou, como acha que um cego inútil como você poderia pagar a compensação?
Os olhos de Lin Ting se arregalaram em descrença, enquanto a raiva borbulhava dentro de si, fazendo seu peito se apertar e a respiração acelerar. Seus olhos marejaram, e seu rosto corou de frustração. Justo quando estava prestes a responder, sentiu alguém se colocar rapidamente à sua frente, protegendo-o dos olhares curiosos da multidão.
— Peça desculpas — disse Shen Chuhan, firme, sua voz calma abafando instantaneamente a raiva de Lin Ting.
Num piscar de olhos, Shen Chuhan segurou novamente sua mão. Quando suas palmas se tocaram, Lin Ting percebeu um leve tremor na mão dele.
Lin Ting permaneceu imóvel, surpreso pelo gesto inesperado. Piscou várias vezes, atônito.
O Sr. Shen, que sempre fora humilde e educado, agora parecia estar com raiva.
— Por que eu deveria me desculpar? — O homem ainda exibia arrogância, mas como Shen Chuhan era mais alto, precisou erguer o pescoço para olhá-lo, sentindo-se desconfortável.
Ele ergueu a mão, gesticulando, e apontou diretamente para Lin Ting, protegido atrás de Shen Chuhan:
— Foi esse cego que esbarrou em mim! Ele é quem não enxerga com os olhos! — Acusou em voz alta.
Depois, como se não fosse o bastante, zombou novamente:
— Bem, ele é cego de qualquer forma, então de que servem os olhos?
Lin Ting sentiu-se profundamente desconfortável ao ouvir aquilo. Ao longo dos anos, já havia recebido inúmeros apelidos desrespeitosos como esse. Sentira raiva e tentara resistir, mas a verdade permanecia inalterada, ele era, de fato, cego e não conseguiria enxergar, mesmo tendo olhos.
Shen Chuhan semicerrrou os olhos, e seu olhar afiado fez o homem recuar involuntariamente. Tentando conter o pânico, ele gaguejou:
— O... o quê? Quer brigar?!
A voz dele vacilava, mas não conseguia esconder o constrangimento daquele momento.
— Não tenho o hábito de bater em cães raivosos — zombou Shen Chuhan.
As palavras ecoaram nos ouvidos do homem, deixando-o de olhos arregalados e atônito. No instante seguinte, seu corpo se enrijeceu, e sua mão se fechou em punho ao lado do corpo, com as veias saltando no dorso.
— O que você disse?! — Exigiu, furioso.
Os lábios de Shen Chuhan se curvaram num sorriso enigmático.
— Se ainda assim não estiver disposto a pedir desculpas, saiba que esta exposição exige registro com nome verdadeiro. Posso simplesmente pedir ao organizador que descubra seu nome e onde o senhor mora.
Ele fez uma pausa e completou, firme:
— Não só será banido de todas as exposições desta cidade, como talvez se torne difícil até viver aqui.
O tom de Shen Chuhan era calmo, quase sem variações, como se estivesse falando de algo banal. Mas o impacto de suas palavras era palpável, fazendo um arrepio percorrer a espinha de todos os presentes.
A comoção finalmente chamou a atenção do responsável pela exposição.
Um homem de meia-idade, com cerca de cinquenta anos, abriu caminho pela multidão. Ao vê-lo, o homem encrenqueiro mudou de atitude imediatamente, baixando o tom e chamando:
— Tio.
O responsável pela exposição lançou-lhe apenas um olhar rápido antes de se voltar para Shen Chuhan. Com postura cautelosa, juntou as mãos à frente do corpo e as esfregou nervosamente ao se aproximar.
— Sr. Shen, poderia me dizer o que aconteceu? — perguntou, respeitoso.
Shen Chuhan ergueu os olhos lentamente, passou o braço pelos ombros de Lin Ting e o guiou delicadamente para a frente, que parecia confuso.
— Seu sobrinho esbarrou de propósito no meu amigo e ainda disse coisas cruéis para humilhá-lo — explicou, em voz baixa. — Só quero que ele peça desculpas. É tão difícil assim?
Deliberadamente, mencionou o assunto para o responsável pela exposição.
Ao ouvir aquilo, o homem não quis desagradar o importante acionista. Sorriu nervoso e puxou o sobrinho à força, obrigando-o a abaixar a cabeça diante de Lin Ting.
— Tio... tio! O que está fazendo?
O homem percebeu que a situação não estava a seu favor. O tio, que normalmente o protegia, agora o forçava a pedir desculpas a um cego. Tentou resistir, mas o mais velho empurrou sua cabeça para baixo.
— O que está fazendo? — o responsável pela exposição o repreendeu severamente. — Se eu digo para pedir desculpas, apenas faça isso!
O rosto do homem ficou vermelho de raiva, e ele protestou, frustrado:
— Por que eu deveria pedir desculpas?!
— Só porque ele é realmente capaz, você não poderá mais permanecer aqui! — A voz do tio ecoou, abalando-o até o âmago. Seus olhos se arregalaram em choque, refletindo confusão diante da reviravolta.
— C-como... como ele pode... — murmurou, incapaz de terminar a frase.
— Senhor, se não acredita, pode tentar — Interrompeu Shen Chuhan friamente. Depois, voltou-se para Lin Ting com uma expressão suave, inclinando-se próximo ao ouvido dele. A sensação de manter distância desapareceu por completo.
— Está cansado? — perguntou baixinho. — Gostaria de ir até a sala de descanso?
O responsável pela exposição entendeu de imediato e apressou-se a abrir caminho.
— Sr. Shen, a sala de descanso fica no fim do corredor, à esquerda. O senhor e seu amigo podem ir até lá. Mandarei trazer comida e bebidas.
Shen Chuhan assentiu educadamente, depois segurou firme a mão de Lin Ting e o guiou em direção ao local.
Não muito longe dali, Lin Ting ouviu a voz do responsável repreendendo o sobrinho com dureza, chegando a proibi-lo de participar de qualquer exposição de arte dali em diante.
Shen Chuhan acelerou o passo, obrigando Lin Ting a acompanhá-lo. O coração do jovem batia acelerado. Aquela era a primeira vez que alguém se erguia para defendê-lo e lhe dava voz diante da injustiça.
De repente, Shen Chuhan diminuiu o ritmo bruscamente. Lin Ting não percebeu e esbarrou contra suas costas firmes. Ele arfou surpreso, mas antes que pudesse reagir, sentiu suas mãos repousarem suavemente sobre seus ombros.
— Doeu? — A voz ansiosa de Shen Chuhan soou enquanto ele o examinava com cuidado.
Lin Ting balançou a cabeça depressa, tentando tranquilizá-lo:
— N-não, eu que não percebi... Estou bem.
Então, uma mão quente se aproximou de sua testa, e Shen Chuhan pressionou delicadamente o local onde ele havia batido.
A distância era tão próxima que Lin Ting podia sentir a respiração do outro sobre sua pele.
Seus cílios estremeceram, tremendo incontrolavelmente diante da sensação.
— Está vermelho — Shen Chuhan franziu levemente o cenho. — Desculpe, eu só...
A mão de Lin Ting se ergueu de repente, segurando firmemente o pulso dele. Com a ponta dos dedos, tocou os ossos salientes da mão de Shen Chuhan. Com uma leve inclinação da cabeça, murmurou, a voz abafada:
— Muito obrigado por me ajudar, Sr. Shen.
A ponta do nariz ardeu, e os olhos se encheram de calor. A sensação de segurança que Shen Chuhan transmitia lhe parecia familiar, e ele nem sequer queria se afastar.
— Mas... — fungou Lin Ting — sobre o que o Sr. Shen disse... que faria com que ele não pudesse mais viver nesta cidade...
A expressão de Shen Chuhan congelou por um instante, antes de se explicar, sem jeito:
— E-eu só queria assustá-lo.
As últimas palavras soaram suaves, quase manhosas.
Lin Ting ergueu as sobrancelhas e provocou:
— Sr. Shen, está com vergonha?
Shen Chuhan ficou em silêncio.
Lin Ting insistiu, rindo baixinho:
— Está corando?
Sem responder, Shen Chuhan pegou a mão de Lin Ting e a levou até sua própria face, permitindo que ele confirmasse por si mesmo.
O pomo-de-adão dele subiu e desceu algumas vezes, denunciando a tensão em sua garganta.
— Estou corando... — admitiu, baixinho.
FIM DO CAPÍTULO